Terras-raras: cobiça dos EUA reabre disputa colonial sobre recursos estratégicos no Brasil
Com sanções às portas, Washington acena para negociação envolvendo reservas minerais brasileiras, muitas localizadas em territórios indígenas. Lula reage com firmeza: “Ninguém põe a mão”.
25/07/2025 10:12
Com uma retórica que lembra a lógica extrativista dos tempos coloniais, os Estados Unidos voltam seus olhos às jazidas brasileiras de minerais críticos, como terras-raras, lítio e grafita. Esses insumos são essenciais à transição energética e à supremacia tecnológica no século XXI.
A articulação americana vem à tona no exato momento em que Donald Trump prepara a aplicação de tarifas punitivas de 50% sobre produtos brasileiros, a partir do dia 1º de agosto. Mas, nos bastidores, uma alternativa começa a ser esboçada: os Estados Unidos aceitariam rediscutir as medidas em troca de acesso privilegiado ao subsolo brasileiro.
Foi o que indicou Gabriel Escobar, atual encarregado de negócios da embaixada dos EUA, em reunião com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Escobar sinalizou que o governo americano tem interesse estratégico nos minerais críticos brasileiros, especialmente as terras-raras, grupo de 17 elementos químicos presentes em tecnologias militares, energia limpa e sistemas aeroespaciais.
“Nós temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão.”
— Lula, em palanque em Minas Gerais
A declaração foi lida por diplomatas como uma resposta direta ao avanço da pressão americana. Escobar já havia mencionado o tema em outra reunião anterior com Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e atual presidente do Ibram.
Segundo fontes próximas ao governo, o vice-presidente Geraldo Alckmin foi incumbido de conduzir os contatos diplomáticos com Washington, buscando conter o ímpeto unilateral da Casa Branca. Ontem, Alckmin revelou um telefonema de 50 minutos com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick — o primeiro contato bilateral de alto nível em semanas.
Boa parte das reservas brasileiras de terras-raras e outros minerais estratégicos está localizada em territórios indígenas e áreas de conservação, o que eleva a tensão sobre o tema. A simples menção americana ao uso desses recursos como barganha diplomática causou apreensão em setores ambientalistas, indígenas e progressistas.
“Essa é a nova face da velha cobiça. Agora querem nossos minérios em nome do meio ambiente. Mas o que se vê é o velho extrativismo de sempre, com novos pretextos”, disse um assessor do Ministério do Meio Ambiente sob anonimato.
Além da questão geopolítica, a pressão dos EUA vem em momento delicado para o governo Lula, que tenta conciliar compromissos internacionais com a preservação de direitos constitucionais dos povos originários. Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já se posicionaram contra qualquer flexibilização legislativa.
Do ponto de vista técnico, a extração de terras-raras envolve processos altamente poluentes, que contradizem o discurso de sustentabilidade. Ainda assim, os EUA insistem em vincular o acesso aos minerais à chamada transição energética — um argumento que divide especialistas.
Enquanto isso, no Ministério de Minas e Energia, avança a política nacional de minerais críticos, apelidada de “MEL” (Mineração para Energia Limpa). A proposta busca incentivar a industrialização nacional, oferecendo debêntures incentivadas, exigindo contrapartidas tecnológicas e priorizando empresas brasileiras de menor porte.
Segundo o engenheiro Jorge Boeira, da ABDI, o Brasil deve usar os recursos não apenas como commodities, mas como alavancas para o desenvolvimento industrial soberano:
“Negociar minerais exige um projeto de país. Ou viramos fornecedores eternos de matéria-prima, ou exigimos algo em troca: transferência de tecnologia, produção local, soberania sobre nossa riqueza.”
As conversas entre autoridades brasileiras e diplomatas americanos ocorrem sob o pano de fundo de uma grave interferência externa: o condicionamento explícito feito pelo presidente Donald Trump. Segundo ele, as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros poderiam ser revistas caso o Judiciário alivie o cerco contra Jair Bolsonaro.
A fala é vista por membros do governo Lula como uma tentativa direta de deslegitimar a Justiça brasileira. Até mesmo setores do Itamaraty — historicamente moderados — já classificam a situação como um “ataque à soberania”.
Nesse contexto, o uso de recursos minerais como moeda de troca levanta dilemas éticos e estratégicos. O Planalto, até o momento, opta por endurecer o tom. Lula repetiu que não haverá “entrega do subsolo brasileiro” e reforçou que a prioridade será a transformação dos minerais em desenvolvimento industrial nacional, e não em lucro estrangeiro.
Jorge Boeira, da ABDI, reforça a necessidade de uma política clara de industrialização local:
“Não basta ter os minérios. Se continuarmos exportando o bruto, perderemos a chance de avançar para uma economia de tecnologia.”
Enquanto isso, a proposta MEL — Mineração para Energia Limpa — deve incluir dispositivos que impedem concessões em áreas de conflito fundiário, terras indígenas sem demarcação regularizada e regiões de alto impacto ambiental.
Na prática, o governo tenta segurar dois tabuleiros ao mesmo tempo: responder à chantagem internacional sem comprometer os princípios constitucionais, e ao mesmo tempo criar instrumentos que garantam ao país controle sobre o futuro de seus recursos.