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O Verificador

O fuzil que governa o Rio: 50 anos de guerra urbana sem Estado e sem resposta

Arma símbolo de guerra tornou-se presença cotidiana na paisagem do Rio de Janeiro, controlando comunidades, matando inocentes e colapsando o sistema de saúde. A indiferença institucional alimenta um conflito que o país se recusa a enfrentar.

13/07/2025 19:53

O Brasil naturalizou uma guerra. Fuzis automáticos atravessados no peito de criminosos em Vila Kennedy. Disparos à queima-roupa em plena Avenida Brasil. Policiais com o cano da arma para fora da janela em qualquer bairro da capital fluminense. Tiros que matam, mutilam, silenciam e transformam a rotina em medo. Em nenhum outro lugar do mundo um fuzil é tratado como no Rio: parte da paisagem.

Segundo dados oficiais, 6.619 fuzis foram apreendidos no estado entre 2007 e 2024 — número suficiente para armar batalhões militares inteiros. Em 2024, o estado concentrou 37,39% de todas as apreensões do país. A cada 10 fuzis confiscados no Brasil, 4 estão aqui. A origem disso remonta aos anos 1980, quando a escalada do narcotráfico passou a ser acompanhada da chegada de armamento de guerra às favelas.

A presença dessas armas, contudo, não se restringe aos becos. Hoje, estão nos assaltos em bairros nobres, nos confrontos diários, nas emergências hospitalares. “É um conflito urbano inimaginável, mas que tratamos como rotina”, resume o delegado Vinicius Domingos. E não se trata apenas de armamento: são táticas de guerrilha, barricadas, seteiras, disciplina bélica. Um Estado paralelo.

As consequências extrapolam a segurança. No sistema de saúde, o fuzil gerou um novo tipo de paciente — aquele baleado por armas de alta velocidade e letalidade. O cirurgião Rodrigo Gavina relata que, nos anos 90, foi preciso estudar manuais de guerra para aprender a tratar vítimas. O custo social é invisível: mutilações, invalidez, traumas, famílias destruídas. O caso de Caio, baleado aos 18 por engano na Zona Norte, é só um entre milhares. Sobreviveu — mas perdeu a independência, os planos e o futuro.

No Rio, o poder das facções depende do fuzil. Sem ele, não há domínio de território, não há extorsão, não há narcotráfico em escala industrial. Mas a resposta do Estado segue fragmentada, reativa e silenciosa. Nenhum plano estrutural foi implementado em 50 anos para conter esse armamento ou evitar que ele chegasse a comunidades inteiras. A omissão institucional é parte do problema.

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